domingo, 29 de abril de 2007

Vaidade Profissional

O artista precisa desapegar-se de sua vaidade.
Não dançar para ser alguém, mas ser alguém para dançar.

Atualmente pouco se tem feito Arte.

Parece que os artistas da mídia, de uma maneira geral, não demonstram amor pelo que fazem, demonstrando mais o apego a bens materiais, e negligenciando a natureza daquilo que o levou ao sucesso: o seu próprio talento (quando têm...).

É interessante notar que no meio da Dança Oriental isso é igualmente evidente.
Não que não possamos desfrutar das vantagens que o sucesso nos traz, muito pelo contrário, mas o foco do presente artigo é justamente a falta de respeito que muitas bailarinas vêm demonstrando pelo próprio trabalho. Criticar a questão não resolve o problema, portanto, nossa atenção deve se voltar para a corrigenda o tanto quanto conseguirmos realizar, o mais rápido possível.

O apelo sexual dos dias contemporâneos está no auge, e faz mais sucesso quem segue este apelo do que quem tem competência técnica e amor para ensinar e dançar em público.
O apego à aparência e o exagero na tendência de que se só se é aceito e bonito se seguir a ditadura das aparências, tem levado o público a julgar incorretamente o real apreço que se deve ter à Arte, faltando o respeito com bailarinas que são grandes em essência, porém discriminadas em sua aparência.

Não me refiro só às gordinhas, àquelas que possuem um padrão de beleza irregular, às que são muito magras ou àquelas que simplesmente não são mais tão jovens, ou ainda, àquelas que realmente merecem o título por se comportarem e se apresentarem de maneira desleixada. Refiro-me a TODAS as que, de uma maneira ou de outra, são discriminadas por não corresponderem à ditadura das aparências, por se recusarem a seguir o modelo por alimentarem um alto grau de respeito por si mesmas e se aceitarem como são.

A ideologia do mercado competitivo contaminou o segmento, e, infelizmente, são poucas as artistas envolvidas que trabalham pelo prazer de trabalhar e não unicamente pela projeção social ou financeira que os holofotes lhes conferem.

O dançar com amor e pelo amor à dança parece estar sendo asfixiado por uma onda de pseudo pensadores de perfil egóico que colocam suas verdades como se fossem as nossas.
Estas pessoas não estão interessadas na evolução da dança ou na arte da dança propriamente dita, estão interessadas em acumular poder, em aprovar ou desaprovar, em serem seguidas pelo maior número de pessoas possível, em retorno financeiro – em audiência.

Cresce, no entanto, uma vertente nova que tem implementado uma visão mais autêntica para a Dança do Oriente: o paradigma da liberdade, circunscrito na velha e boa História da Arte. Descriminar os elementos deste paradigma é-nos fundamental para lançarmos mão de base e estrutura, e construirmos um edifício de boas realizações em Dança Oriental. São estes elementos, variáveis e relativos, mas os principais são cinco: Ética, Respeito, Aceitar o que Foi e o que É (passado e presente), Livre-arbítrio e Tradição. De todos a tradição, é o que menos sofre com a relatividade.

A História da Arte nos mostra que a Arte, não possui valores que ficam aprisionados no tempo. O papel da Tradição vem nos assegurar que os moldes formativos e configurativos de uma determinada expressão artística, não sejam totalmente esquecidos, para que aquela forma de arte não se perca no tempo. Porém, o mundo sempre avança, e existem conceitos que gradativamente são abandonados e substituídos por outros. Quando isto começa a acontecer, a História nos prova que, a antiga forma de arte, ou morre, ou não morre totalmente, mas que, felizmente, em muitos casos, ela vive sob uma nova forma de expressão. Foi o que aconteceu com a Dança Oriental.

A Dança do Oriente, vulgarmente denominada Dança do Ventre, vem da alma do matriarcado, e dos diversos grupos étnicos que tiveram contato com sua forma. Estes grupos, emprestaram sua identidade, acrescentaram sua própria verdade na dança, criando um padrão de consciência corporal que diferenciava sua dança, da dança das outras localidades, em manifestações regionalizadas da mesma expressão-mãe que inspirou suas criações. Logo, o faziam por prazer, por realização, por identificação – e também por auto-afirmação. Eles naturalmente intuíam as misturas que faziam, criando um novo estilo e configuração para seus corpos e suas almas se expressarem.

A vaidade humana sempre existiu, e sempre provocou encontros e separações, tanto na arte quanto na guerra.

No Mundo Árabe, em meados dos séculos X e XI, já se tinha o costume da música ser acompanhada pela dança, e dançarinas eram contratadas para as festas da corte; como também entre o povo, homens e mulheres não profissionais, dançavam para festejar, cada região com seu próprio costume e tradição, aquilo que consideravam importante: celebrar um casamento, um nascimento, o dia de trabalho, a colheita, ou mesmo a guerra. As celebrações envolviam sentimentos como orgulho ou gratidão, e já naquela época, estavam sujeitos à aprovação ou reprovação religiosa – que regulamentava as circunstâncias e ocasiões propícias para estas manifestações da música, da poesia e da dança.

As cortes da época eram divididas em capitais, provocando a mistura de diferentes tradições locais, com focos de produção artística e intelectual, formando unidades culturais, férteis na mistura entre as etnias: mulçumanos, judeus, cristãos, árabes, berberes, espanhóis, que contribuíram para levar as diversas tradições a um padrão de uniformidade artística, embora fossem conservadas as diferenças regionais.

Interessantemente, a vaidade continuou a ser perpetuada desde que o mundo é mundo, porque foi cultivada e mantida na alma humana, com incríveis resistências para ser realmente reconhecida e colocada em seu lugar: forma do coração humano. Quando associada fortemente a uma causa ou propósito, se torna verbalmente agressiva e violenta, maquiavélica, desequilibrando a personalidade. A pessoa se torna tensa, infeliz, e enquanto não tiver todos os holofotes voltados para ela continua faminta de poder.

A nova cultura ocidental, e a descoberta de novas formas de terapia têm levado o ser humano a uma reforma íntima com precedentes na história da humanidade. Grandes pensadores, profetas e homens de fé nos têm presenteado e alertado sobre o orgulho e a vaidade há milênios. Mas nunca, como agora, vemos pessoas tão sedentas de paz e reforma íntima. A vaidade está sedimentada dentro da própria cultura humana, e não será fácil erradicá-la. Há pessoas que confundem vaidade com auto-estima, vaidade com bem-estar. É como se houvesse um gene da vaidade, responsável pelas nossas fraquezas em puxar o tapete da própria consciência. Mas justificar-se com isto, é, no mínimo, uma auto-sabotagem.

Essa idéia nos leva a crer que, o artista, e para nós em especial, a bailarina, que não crescer internamente, amadurecendo através do autoconhecimento, está fadada ao fracasso como pessoa.

A Arte existe para realização íntima da alma, e se o poder ofusca a visão de uma bailarina, mesmo desfrutando de um enorme sucesso, não conseguirá jamais ser feliz, porque ela condiciona sua felicidade a conquistas externas e não consegue usufruir as bênçãos que recebe, com a consciência tranqüila, porque seu ego quer sempre mais. Ela confunde o ímpeto de evolução com sede de poder, insatisfeita por não conseguir mais.

Se você sofre do mal da vaidade, o primeiro passo para sair dessa é reconhecer que ela existe, e que é conseqüência de sua forma de pensar. Os pensamentos que você escolhe ter, por condicionamento e aprendizado, são de sua responsabilidade. É você quem escolhe seus pensamentos. São as suas escolhas, as reais responsável pela síndrome da insatisfação, alimentada pela vaidade. Isso é bem diferente de sentir-se bem ao ter realizado um bom trabalho, de receber um agradecimento por ter despertado com sua dança, a sensibilidade de alguém, ou mesmo de ter tocado com sua dança, as fibras mais íntimas de um público. Isso não tem nada haver com vaidade. Tem haver com merecimento. Tem haver com gratidão. Tudo o que nos pertence, por direito, vem até nós materializado, proporcionando o alimento saudável da consciência: ética, realização e respeito.

Reconhecimento é conseqüência e não o objetivo. Se o objetivo deixar de ser e dançar pelo prazer de dançar, dançar porque isso nos alegra e porque adoramos compartilhar esta alegria com as outras pessoas, então teremos falhado em nossa missão. O divulgar de uma cultura que nos presenteia com pérolas há milênios ficará manchado pelo egoísmo humano, não tendo a chance de sequer se registrar na história como uma cultura que trouxe sabedoria, alegria e equilíbrio ao homem. E é exatamente isso que precisamos nos esforçar em concretizar, estudando, aceitando orientações, corrigindo e procurando assumir uma humildade mediante nossas aquisições, sejam elas pequenas ou grandes.

Bem-Aventuradas as bailarinas que se desapegam de sua vaidade, porque estas Se Realizam, e a estas está reservado um lugar eterno na memória coletiva, e suas almas estão tranqüilas na certeza de que deixam um bom trabalho para o porvir.

Não dançar para ser alguém, mas ser alguém para dançar.


REFERÊNCIA:
HOURANI, Albert Habib. Uma História dos povos árabe. Tradução de Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

Artigo: - 18/01/2005Autoria: Simone L. Oh Coel Osab
Direitos: Todos os direitos autorais reservados.
Do site: www.odaliska.com

0 Comente aqui!: